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É uma película verde que parece um pedaço de papel celofane. Feita à base de quitosana, um polímero obtido a partir de cascas do marisco, é colocada dentro das bebidas - vinho ou vinagre - para substituir os conservantes sintéticos, nomeadamente os sulfitos, que causam bastantes alergias. Antes de as garrafas chegarem às mesas, é retirada. Uma solução desenvolvida por investigadores da Universidade de Aveiro (UA), que se apresenta como mais saudável e ecológica e que mantém todas as características do vinho. Ao que tudo indica, poderá também vir a ser usada em sumos.
Estávamos em 2008 quando uma empresa de vinhos contactou a UA para saber se existia alguma solução que permitisse substituir a utilização de sulfuroso como conservante de vinhos, porque, como explica o investigador Manuel A. Coimbra, "há muitas pessoas intolerantes aos sulfitos". Conseguido o financiamento, a equipa da Unidade de Investigação de Química Orgânica, Produtos Naturais e Agroalimentares do Departamento de Química da UA desenvolveu vinhos sem sulfitos. "A empresa Dão Sul, com a nossa ajuda, fez vinhos brancos e espumantes sem adição de sulfuroso [três mil litros]. E funcionou bem", destaca o diretor da licenciatura em Bioquímica. Mais recentemente, os investigadores descobriram que o método de conservação também pode ser utilizado na produção de vinagres.
"Temos estado a desenvolver filmes - películas -, como se fossem folhas, à base de quitosana, um polímero que é obtido a partir das cascas de marisco (é um subproduto), através de um tratamento ácido e alcalino que permite desmineralizar e desproteinizar", explica ao DN o investigador. À quitosana é adicionada genipina, uma molécula que provém de uma planta, a gardénia. Desta forma, cria-se uma "rede de polímero que consegue hidratar mas não solubilizar", o que permitiu adicionar a película à bebida e, no final, retirá-la sem que as características do vinho fossem alteradas. As propriedades conservantes mantêm-se, mas o consumidor não vê o filme, enquanto no método tradicional os "sulfitos se misturam com o vinho".
Cláudia Nunes, a investigadora da UA que tem desenvolvido o projeto, explica que "a quitosana tem a capacidade de remover o ião ferro, que promove reações de oxidação responsáveis pelo escurecimento do vinho [e do vinagre]. Quando removemos este ião, inibimos o crescimento de micro-organismos e as reações de oxidação". No caso dos vinhos, recorda, as películas ficaram dois a três meses, desde que estava na cuba até ser engarrafado.
Vantagens ecológicas
É estimado que 3% da população sofra de alergia e uma percentagem ainda maior de intolerância ao anidrido sulfuroso, que atualmente é usado para evitar a proliferação de micro-organismos que degradam o vinho. Embora essa seja uma solução bastante barata, as cascas de marisco também o são. "Há aqui uma tecnologia de economia circular. Não deitamos nada fora. Aproveitamos um subproduto da indústria alimentar e podemos reutilizá-lo. Basta lavar os filmes que voltam a ter a mesma atividade", destaca Manuel Coimbra. Outra vantagem, acrescenta, é no manuseamento: "A aplicação de anidrido sulfuroso não é fácil, porque é um gás. Aplicar um gás tóxico exige material, equipa- mento de proteção e há sempre desperdício. Aqui é uma adição direta."
Resolvida a alergia aos sulfitos, não existem riscos para quem tem intolerância ao marisco? Não, garantem. Como a extração de quitosana é feita com ácidos e bases fortes, inativa a proteína - a tropomiosina - do marisco. Ainda assim poderia ficar algum resíduo, mas "quando se reticula com a genipina a tropomiosina é completamente inativada". Para garantir que não existe qualquer vestígio foi contactada a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e foram feitos estudos a doentes que têm alergia ao marisco, mas não surgiu qualquer reação adversa.
Dependendo das necessidades da indústria, os filmes também podem ser feitos à base de quitosana extraída de fungos. Até ao momento, os projetos têm sido desenvolvidos com empresas, mas estas soluções ainda não estão a ser usadas. "É preciso que haja uma autorização da Organização Internacional da Vinha e do Vinho", que já foi pedida. No entanto, advertem, "as empresas podem comercializar estes vinhos sem essa autorização, se colocarem no rótulo que são vinhos experimentais".
Cláudia Nunes destaca que o painel de prova da Dão Sul notou que o vinho ficava melhor. Isto porque, de acordo com estudos posteriores, a interação com a película faz que alguns compostos relacionados com o aroma e o sabor agradáveis do vinho sejam realçados.
Fonte: Diário de Notícias