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Entrar no atelier de Albuquerque Mendes, em Leça da Palmeira, é como entrar na sua cabeça. O caminho desde a porta é feito entre livros, revistas, obras, brinquedos dos seus três filhos, colagens e coisas que lhe vão oferecendo – no fundo, qualquer material que sirva de inspiração para criar algo. A sensação para quem entra é a de caos e confusão mas, para o artista, tudo está no lugar certo.
A janela de vidro ao fundo da sala oferece a luz necessária para trabalhar na mesa grande onde espalha as suas aguarelas e pincéis. Sempre de pé – pela sensação de se movimentar em função das tintas e dos materiais – vai pintando e esquecendo o mundo lá fora. Aqui não há relógios, são poucas as visitas e problemas ou preocupações ficam do lado de lá da entrada. As horas são dadas pelo sol que muitas vezes engana, principalmente no Verão.
O facto de ter nascido em Trancoso, uma pequena cidade do distrito da Guarda, não o impediu de sonhar e de encontrar a sua sensibilidade para as artes. Viajava para outros lugares através dos muitos livros que o seu pai tinha em casa, e deles bebia também a cultura que, nos anos 50, não existia fora de portas – na sua terra.
A sua própria história e relação com o vinho foram muito importantes durante o processo criativo. Apesar de, em 1953, não haver uma grande cultura vínica na Beira alta, em sua casa havia uma adega onde o seu pai vinificava uvas que amigos da redondezas traziam e criava os seus próprios rótulos escritos à mão.
«Havia sempre vinho em minha casa e desde criança que sei como se faz vinho. E a partir de certa altura comecei também a experimentar e a apreciar, principalmente o vinho tinto. Não gosto de mais nenhuma bebida alcoólica e penso que gosto de vinho não só pelo seu sabor, mas pelo respeito que tenho pela sua história até chegar a uma garrafa. Por isso nunca perco a moderação, não quero que aquele momento de prazer se perca no meu corpo, no meu cérebro e na minha memória.»
O vinho está sempre ligado a festas, momentos de prazer e celebração. Há sempre qualquer coisa de festim e de alegre quando se abre uma garrafa e isso já vem bem lá de trás e foi essencial na criação destas obras.
«Para fazer este rótulo fui ver pinturas da história de arte feitas por outros artistas que falavam de Baco e toda a história do vinho. O Baco, de Caravaggio, O Fado, do Malhoa, o Triunfo do Bacco, do Velasquez. Era um tema clássico e recorrente da pintura clássica que tinha a ver com o prazer e o bem-estar – a alegoria de bons momentos da vida e a ideia de que esses bons momentos da vida devem ser celebrados com vinho. E eu quis que os rótulos tivessem esse lado, que transmitissem também este lado, esta história.»
Em aguarelas e depois acrílico, Albuquerque desenhou figuras, videiras e bagos de uvas que contam uma “história de amor e de memória”. As personagens confundem-se com as próprias uvas.
O artista queria que o rótulo fosse visto como um todo, que fosse uma coisa única – um objecto artístico, uma obra de arte onde não existiam espaços entre palavras e pintura. Para isso foi muito importante o trabalho de parceria com o designer Eduardo Aires e a sua equipa.
O diálogo entre a arte e o design é o que faz o rótulo ser um sucesso. Não deixa de ser uma aguarela minha, mas também não deixa de ser um rótulo do Eduardo Aires. As duas coisas juntam-se.»
fonte: Esporão